sexta-feira, 27 de julho de 2007

Aperto no Ônibus

Certo dia, saí da dentista, ainda com a anestesia a todo vapor, mal conseguia falar, porém tinha de pegar o ônibus mesmo assim – era quase uma hora entre um ônibus e outro no ponto, e a viagem levava em torno de noventa minutos até a minha casa. Era um dia até que bonito, se pensar bem. Não havia aquele sol escaldante, nem muitas nuvens no céu. O que estragava era a previsão do tempo: chuva no final de semana – ou seja, em dois dias eu teria de cancelar o que já havia programado. Que porcaria! Além disso, havia o fato de o ônibus parar cerca de dois quilômetros da minha casa.

Tomei o primeiro ônibus que me cabia. Entrei sozinho, subi os três degraus e, curiosamente, o motorista daquele dia esperou até que eu subisse por completo – geralmente eles aceleram quando estou recolhendo o segundo pé para dentro do carro.

— Bom dia! – tentei falar anestesiado.

— É sim, é meu primeiro dia. Eu fazia uma outra linha. Mas acho que dou conta desta aqui. – ele respondeu.

Mesmo sem entender nada, resolvi continuar o papo:

— Que interessante. Mas você conhece bem a cidade, não? Acho que não vai ter problema.

— Mais ou menos. Eu fazia uma outra linha numa outra cidade. Mas aqui tá tudo tranqüilo.

— Certo, certo. – e resolvi me sentar no espaço reservado para isentos até chegar mais perto do meu ponto.

Passou-se algum tempo, comecei a notar uma paisagem um tanto quanto estranha para aquele roteiro. Tudo bem que eu costumava dormir naquele trecho, mas não me recordava de absolutamente nada daquele lugar.

Por um instante pensei que ele poderia ter errado o trajeto. Logo descartei a idéia: havia outros dois passageiros mais o cobrador, e alguém se manifestaria caso acontecesse.

Tentei, mas aquela sensação de que algo estranho havia naquele dia não passava. Daqui algum tempo a vegetação mudaria de mata atlântica para araucária. Um absurdo!

Tinha um compromisso com minha esposa e não podia chegar atrasado em hipótese alguma. A essa altura eu já estaria acordado e o caminho realmente não era o de costume. Não agüentei e fui até o motorista:

— Com licença, senhor. Não que eu duvide do seu conhecimento viário-trajetorial, mas acredito que este não é nosso caminho comum, né?

Torcendo sua cabeça para trás, balançou um leve não com a cabeça e, neste instante, gritei:

— Cuidado com a bicicleta, cara!

— Mas, hein? – disse, voltando rapidamente a cabeça para frente.

Por sorte não colidiram, mas o motorista, pobre coitado, entrou em estado de choque. Ficou pasmo, com náusea, pálido e sem condições de seguir viagem. Estava à beira do desmaio. Perguntei desesperado (tanto com o motorista como com o meu atraso) ao cobrador se aquele trajeto era novo. Ele não soube me dizer. Explicou-me que era primo do motorista, e que haviam chegado à cidade há uma semana. E também era a segunda vez que eles estavam nesta linha: a desgraça que eu precisava para o meu dia!

Com o motorista semiconsciente, resolvi tomar a direção do ônibus. Não tinha a carta necessária, mas a pressa sim. Tinha alguma experiência no volante e acreditei que seria o suficiente para a ocasião.

Perguntei ao primeiro transeunte onde estávamos. Consegui me localizar e segui adiante. Logo retomei o curso normal do ônibus (e o motorista, o curso normal da consciência). Desceram os dois passageiros, agora éramos apenas três: eu, o motorista e o cobrador.

Pensei comigo que seria uma grande oportunidade de acabar com os dois quilômetros existentes entre minha casa e o ponto de ônibus. Mas antes que pudesse me manifestar, alguém acenou da rua para parar o ônibus. Parei e entraram cinco passageiros. Acredito que ninguém tenha reparado no que acontecia lá dentro.

O motorista, já melhor, sentou-se na primeira cadeira e prestou atenção no caminho inteiro. Conversamos bastante, ele e seu primo eram migrantes. Estavam tentando uma vida melhor por estes lados: a grande ilusão da sociedade brasileira.

Conforme andávamos, mais passageiros entravam. Quando me dei conta de que estava perto do meu ponto, notei que o ônibus estava lotado, cheio de gente. Parei no ponto que me era adequado, expliquei ao motorista o caminho que ele deveria seguir e fui embora descrente do que me havia acontecido.

Fiquei olhando o veículo partir. E, conforme ele se afastava, minha tensão de chegar atrasado em casa aumentava. Já podia sentir as palavras agudas da minha esposa rasgar meus ouvidos. E, num último olhar para o ônibus que dei, notei que ele havia pegado o caminho o qual eu tinha dito para não pegar em hipótese alguma – era o caminho que levava para o centro da favela mais perigosa da região. Pensei comigo, então: “puta que pariu!” e fui pra casa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bom conto.Excelente português.Gostei mesmo.Pena que nunca consigo escrever assim...0.o
Um beeiiijo

Souldela disse...

Putz...que da hora,
Cheguei a confunfir que o "tal" aperto teria alguma relação com necessidades fisiológicas e tal, mas de qualquer forma, um conto "muito massa" em palavras mais amigávies.

Fá Fioretti disse...

Sua cara esse conto!!!