sábado, 28 de julho de 2007

Aborto

É hora de encravar em mim
minhas próprias unhas.
Cavocar dentro do meu próprio peito
E arrancar à força
O que foi construído naturalmente.
Arrancar de forma brutal
O que alimentei.
Dar à minha mão,
O prazer de cotucar carne fresca.
E ao meu corpo,
A dor de ter sua carne arrancada.
Raspar como se, com uma espátula,
Todo o câncer espalhado,
Toda a carne apodrecida,
Todo o amor acabado.
É hora de uma auto-cirurgia,
Sem anestesia,
Sem médico,
Sem ninguém.
Planos desgastados,
Sonhos mal-sonhados...
É um aborto, droga!

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Aperto no Ônibus

Certo dia, saí da dentista, ainda com a anestesia a todo vapor, mal conseguia falar, porém tinha de pegar o ônibus mesmo assim – era quase uma hora entre um ônibus e outro no ponto, e a viagem levava em torno de noventa minutos até a minha casa. Era um dia até que bonito, se pensar bem. Não havia aquele sol escaldante, nem muitas nuvens no céu. O que estragava era a previsão do tempo: chuva no final de semana – ou seja, em dois dias eu teria de cancelar o que já havia programado. Que porcaria! Além disso, havia o fato de o ônibus parar cerca de dois quilômetros da minha casa.

Tomei o primeiro ônibus que me cabia. Entrei sozinho, subi os três degraus e, curiosamente, o motorista daquele dia esperou até que eu subisse por completo – geralmente eles aceleram quando estou recolhendo o segundo pé para dentro do carro.

— Bom dia! – tentei falar anestesiado.

— É sim, é meu primeiro dia. Eu fazia uma outra linha. Mas acho que dou conta desta aqui. – ele respondeu.

Mesmo sem entender nada, resolvi continuar o papo:

— Que interessante. Mas você conhece bem a cidade, não? Acho que não vai ter problema.

— Mais ou menos. Eu fazia uma outra linha numa outra cidade. Mas aqui tá tudo tranqüilo.

— Certo, certo. – e resolvi me sentar no espaço reservado para isentos até chegar mais perto do meu ponto.

Passou-se algum tempo, comecei a notar uma paisagem um tanto quanto estranha para aquele roteiro. Tudo bem que eu costumava dormir naquele trecho, mas não me recordava de absolutamente nada daquele lugar.

Por um instante pensei que ele poderia ter errado o trajeto. Logo descartei a idéia: havia outros dois passageiros mais o cobrador, e alguém se manifestaria caso acontecesse.

Tentei, mas aquela sensação de que algo estranho havia naquele dia não passava. Daqui algum tempo a vegetação mudaria de mata atlântica para araucária. Um absurdo!

Tinha um compromisso com minha esposa e não podia chegar atrasado em hipótese alguma. A essa altura eu já estaria acordado e o caminho realmente não era o de costume. Não agüentei e fui até o motorista:

— Com licença, senhor. Não que eu duvide do seu conhecimento viário-trajetorial, mas acredito que este não é nosso caminho comum, né?

Torcendo sua cabeça para trás, balançou um leve não com a cabeça e, neste instante, gritei:

— Cuidado com a bicicleta, cara!

— Mas, hein? – disse, voltando rapidamente a cabeça para frente.

Por sorte não colidiram, mas o motorista, pobre coitado, entrou em estado de choque. Ficou pasmo, com náusea, pálido e sem condições de seguir viagem. Estava à beira do desmaio. Perguntei desesperado (tanto com o motorista como com o meu atraso) ao cobrador se aquele trajeto era novo. Ele não soube me dizer. Explicou-me que era primo do motorista, e que haviam chegado à cidade há uma semana. E também era a segunda vez que eles estavam nesta linha: a desgraça que eu precisava para o meu dia!

Com o motorista semiconsciente, resolvi tomar a direção do ônibus. Não tinha a carta necessária, mas a pressa sim. Tinha alguma experiência no volante e acreditei que seria o suficiente para a ocasião.

Perguntei ao primeiro transeunte onde estávamos. Consegui me localizar e segui adiante. Logo retomei o curso normal do ônibus (e o motorista, o curso normal da consciência). Desceram os dois passageiros, agora éramos apenas três: eu, o motorista e o cobrador.

Pensei comigo que seria uma grande oportunidade de acabar com os dois quilômetros existentes entre minha casa e o ponto de ônibus. Mas antes que pudesse me manifestar, alguém acenou da rua para parar o ônibus. Parei e entraram cinco passageiros. Acredito que ninguém tenha reparado no que acontecia lá dentro.

O motorista, já melhor, sentou-se na primeira cadeira e prestou atenção no caminho inteiro. Conversamos bastante, ele e seu primo eram migrantes. Estavam tentando uma vida melhor por estes lados: a grande ilusão da sociedade brasileira.

Conforme andávamos, mais passageiros entravam. Quando me dei conta de que estava perto do meu ponto, notei que o ônibus estava lotado, cheio de gente. Parei no ponto que me era adequado, expliquei ao motorista o caminho que ele deveria seguir e fui embora descrente do que me havia acontecido.

Fiquei olhando o veículo partir. E, conforme ele se afastava, minha tensão de chegar atrasado em casa aumentava. Já podia sentir as palavras agudas da minha esposa rasgar meus ouvidos. E, num último olhar para o ônibus que dei, notei que ele havia pegado o caminho o qual eu tinha dito para não pegar em hipótese alguma – era o caminho que levava para o centro da favela mais perigosa da região. Pensei comigo, então: “puta que pariu!” e fui pra casa.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Comentários

Bom dia quase boa tarde a todos!

Bem, o que são os comentários para quem escreve? O comentário pode massagear o ego, como destruí-lo. Um comentário pode ser falso e pode ser verdadeiro. Crítico de forma construtiva ou não. Há várias formas de comentários, e eu apreciaria muito se todo mundo que lesse as postagens, comentasse alguma coisa a respeito. Críticas são sempre bem vindas. Não elogiem caso não tenham gostado realmente, mas não humilhem caso o trabalho tenha sido ruim. As críticas ajudam o autor a desenvolver melhor suas técnicas, e é esse o resultado final que quero delas. Opinem! Dêem dicas, sugestões, fiquem à vontade!

Muito obrigado!
=)

Conto: Potinho de Ferro

Chega o homem em casa do supermercado, com os dois braços peludos e musculosos cheios de sacolas. Trazia nelas a lista que fizera na tarde de ontem, logo depois de varrer o chão da cozinha e notar a falta de frutas na cesta que repousa diariamente no centro do cômodo. Ela, a mulher da casa, assistia à seleção masculina de vôlei na televisão e pensava consigo, com uma latinha de cerveja na mão e apoiada sobre a barriga moldada na forma de uma esfirra aberta, que seu namorado bem que poderia ter um belo par de coxas como as daqueles jogadores.

Ele era um homem com qualidades difíceis de encontrar hoje em dia: lavava a louça, limpava a casa, cuidava do cachorro, fazia a comida, arrumava a cama, lustrava os móveis, não deixava respingos e dava descarga. Ela, a pessoa que sustentava a casa financeiramente, era ciumenta, vivia no bar após o trabalho, flatulava à noite na cama, roncava como uma porca e passava, às vezes, dois dias sem tomar banho. Isso frequentemente o incomodava, mesmo porque ambos, o odor e a trovoada, podiam ser percebidos à distância.

Logo após colocar as compras na cozinha, o homem sobe para seu quarto. Despe-se da camiseta laranja, da calça comprada no brechó a preço de banana, e do par de tênis de cadarços pisados e rasgados. Lero-lereia (como a bruxa da Branca de Neve) com o espelho sobre si mesmo e suas milhares de paixões espalhadas pela cidade (cada uma com uma qualidade e um número de telefone diferente) enquanto se prepara para um banho quente.

Ela, a mulher, repara e avalia atentamente os jogadores da seleção. Anota tudo num caderninho que tem especialmente para esse fim. Tenta chegar a uma conclusão, porém fica cada vez mais difícil entre uma dose e outra. Foi-se a dúzia de latinhas. Foi-se a quinta dose de uísque. Foi-se o segundo maço de cigarros. Foi-se o amor pelo namorado.

Quando o banheiro está coberto de fumaça e o ambiente já está quente o suficiente, ele liga o rádio no volume máximo para ouvir sua música preferida (que, coincidentemente, é a música que ela mais detesta), que ele só ouve quando está sozinho em casa. Liga o rádio e cantarola como uma gralha em ato de acasalamento.

De repente, a música que ela mais detesta na vida começa a tocar e a desconcentra dos pensamentos livres de pudor que tinha com o número 6 da seleção. “Ah, desgraçado! Só pode ser você de novo com essa música infernal!”. E bufando sobe as escadas, seus passos podiam ser sentidos de longe para alguém que tivesse o mínimo de sensibilidade táctil. Chega em frente à porta do banheiro e a esmurra:

— Desgraçado! Desliga essa porcaria de rádio!

E um silêncio irritante e barulhento permanece do lado de dentro do banheiro. Tenta novamente:

— Caramba, vamos desligar isso aí? O que cê tá ouvindo não é música, cara! Desliga essa porcaria de Backstreet Boys!

Eis que ele surge de supetão:

— O quê? Quando é o churrasco no Luis? Desculpe-me pela música, não vi que estava em casa.

— Que desculpa esfarrapada. Larga a mão de ser mané, meu filho. Você sabe muito bem que quando tem jogo da seleção eu fico com o caderninho na mão, poxa.

— Olha... pode parar com isso, hein? Tá pensando o quê? Eu te conheço na “tpm”, bem. Não tem porque te provocar, querida. Relaxa, vai. Toma mais uma dose de uísque e vai lá ver seu jogo, que deve estar quase acabando.

Puta que pariu! Quase me esqueci do jogo...

— Então corre, corre, senão eu conto pro seu namorado desse caderninho, hein? Ele não vai gostar nada disso.

Se você contar, já era. Vai ter que arrumar um outro lugar pra morar, bicha desgraçada.

E desceu para a televisão com a cara fechada e seus tropeços pela escada.

Ela e ele: a formiga e a cigarra. Ele entrou no quarto, abriu sua gaveta, pegou um potinho de ferro, sacou a tampa e contou seus trezentos reais guardados para a noitada de drogas e álcool desta mesma noite. Sorriu, guardou tudo como havia encontrado, vestiu-se decentemente e desceu para seu tradicional chá de concentração das sete.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Primeira Postagem

Boa noite!
Resolvi abrir um Blog a fim de expor minhas idéias, poesias, contos e tudo mais que achar interessante para a sociedade.
Quanto ao título, praeposterus, é um adjetivo latino que significa "que é contrário, inverso; que perturba a ordem pública". E é bem por aí o objetivo deste blog: perturbar a ordem natural da sociedade. Nada rebelde, apenas de teor pensativo.
Abraço a todos.

Para início, um poema:

"Explicar as coisas do coração;
Entender o que não dá pra se ver:
Coisas difíceis de se aplicar,
Quase impossíveis de aceitar.
O que acontece dentro de mim,
Que quando te vejo fico assim?
Uma hora e quarenta minutos sem te ver.
Não entendo o que está acontecendo,
Onde está você?
Poderia fazer uma companhia
Tão agradável quanto sadia.
Poderia ser tão belo
Quanto o fazer tudo que eu quero.
Deveria ser tão diferente do que é!
Ter a visão das coisas;
Como conseguir o que se quer
E poder muito confiar nas pessoas.

Rafael Miranda Durante